segunda-feira, 24 de março de 2014

Responda se for capaz: O Menino

Postado por GEMa Em 24.3.14

Não havia saída. Teria que esperar por três horas o próximo voo para Salvador. Arquiteto por formação e profissão, tinha que apresentar um projeto na manhã seguinte numa cidade próxima à capital da Bahia. Assentei-me como pude. Teria que olhar para aquele relógio pendurado no teto por três horas. Como se não bastasse, o relógio registrava os segundos. Relógios que registram segundos demoram mais que os que não o fazem. Alguns apelam para palavras cruzadas, outros giram os polegares e eu, como o vício do cachimbo entorta a boca, traço em folhas de papel as formas que se me apresentam no ambiente que é alcançado pelas retinas. Lápis e papel na mão, registrava dois lances de escada e uma escada rolante que surgiram a minha frente. Mal traçara as primeiras linhas, deparei-me com uma questão que me intrigou: quantos degraus deveria desenhar na escada rolante? Em vão, tentei contar os degraus visíveis. Se a escada parasse, poderia contá-los. Tive ímpetos de apertar o botão vermelho próximo ao corrimão, onde lia-se “PARAR”. Meu censurador não permitiu que o fizesse. Fiquei ali , inerte, com o cachimbo na mão e sem poder fumar.
        Um menino sentou-se ao meu lado, brincando com uma bolha de sabão. Sem tirar os olhos da bolha, ele disse em voz clara e pausada:
           − Pepino não parece “inreal”?
           Olhei-o, ligeiramente, com o canto dos olhos e, sem nada dizer, retornei ao meu
cachimbo apagado. Alguns instantes depois, senti minha camisa ser puxada e escutei
novamente:
           − Pepino não parece “inreal”?
           Dessa vez, com a bolha em uma das mãos e com a outra em minha camisa, ele me
olhava firmemente.
           − Não é “inreal”, é irreal.
           − Pois é, não parece?
   Aquela insistência irritou-me. Eu, diante do mais intrincado problema da existência humana − quantos degraus ficam visíveis quando a escada rolante para − e aquele menino me questionando sobre a realidade de um pepino! Tentando dissuadi-lo, resolvi apresentar-lhe a complexidade do problema que me afligia.
      − Olha, menino, estou tentando desenhar aquelas escadas e não sei como acabar o desenho da escada rolante. Quantos degraus devo desenhar? Meu desenho está parado e a escada está subindo. Se a escada parasse de repente, quantos degraus ficariam visíveis? Sem nada dizer, colocou a bolha de sabão sobre a cadeira, subiu e desceu um dos vãos da escada. Apontando para o relógio, disse:
           − Eu desço a escada duas vezes mais rápido do que subo.
        E repetiu sua viagem ao vão da escada mostrando-me que, no mesmo tempo em que dava um passo para subir, dava dois para descer. Novamente sem nada dizer, começou a subir a escada rolante, contando os passos: um, dois, três ... um total de 20 passos. Do alto da escada, olhou-me como quem estivesse fazendo a mais óbvia das coisas, e começou a descer a mesma escada rolante, contando os passos: um, dois, três ... um total de 35. Em seguida tomou o lápis e o papel de minhas mãos e completou, com traços infantis, o meu desenho.
Nenhum censurador poderia me conter. Levantei-me bruscamente e apertei o botão vermelho. Ansioso, comecei a contar os degraus. Para meu espanto, correspondia ao desenho do menino. Com a maior seriedade que já tive em minha vida, voltei-me ao menino e perguntei-lhe:
           − Por que pepino parece “inreal”?

Quantos degraus o menino desenhou?

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